Sei que corro o grande risco de ser a chata deste blogue...
Por vezes sinto uma certa perplexidade perante o que ouço e sobre o que se legisla e deixa de legislar. Achava que não se referendavam assuntos que tinham sido legislados há menos de 1 ano. Parece que sonhei quando há 8 meses a mesma Assembleia da República aprovou a legislação da co-adopção. Parece que não, que foi um engano.
E perante esta enorme perplexidade, vou procurar informar-me. Afinal o que é que estamos a referendar? A co-adopção que já está em processo legislativo? Ou a adopção por casais homossexuais? Parece que são as duas... E parece-me a mim que são dois assuntos importantes, sem dúvida, mas substancialmente diferentes. O que, segundo esta leitura, até torna este referendo inconstitucional... Enfim!
Sendo que a Assembleia da República é a casa da democracia (sei que este conceito já não quer dizer grande coisa para a maioria de nós pois não se sente representado pelas pessoas que lá se sentam, embora também isso devesse ser assegurado pela constituição - artigo 147º) e que o seu objectivo da mesma é "vigiar pelo cumprimento da Constituição" (artº 162, alínea), faz-me todo o sentido ir procurar o que está escrito neste célebre documento que supostamente rege os nossos direitos, deveres e garantias.
TÍTULO I
Princípios gerais
Artigo
13º (Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma
dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado,
beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer
dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica,
condição social ou orientação sexual.
TÍTULO II
Direitos, liberdades e garantias
CAPÍTULO I
Direitos, liberdades e garantias pessoais
Artigo 27º (Direito à liberdade e à
segurança)
1. Todos têm direito à liberdade e à
segurança.
TÍTULO III
Direitos e deveres económicos, sociais e
culturais
CAPÍTULO II
Direitos e deveres sociais
Artigo 69º (Infância)
1. As crianças têm direito à protecção da
sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente
contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o
exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
2. O Estado assegura especial protecção às
crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente
familiar normal.
3. É proibido, nos termos da lei, o trabalho
de menores em idade escolar.
O que este referendo pretende é aferir qual a opinião dos portugueses sobre as crianças e os seus direitos de pertencerem a uma família. Apenas a título de exemplo, tenho uma sobrinha que me incluiu na Árvore da Família que foi pedida na escola. Pertenco à sua família de sangue? Não, pertenço a uma outra noção de família para ela, à família do coração. É menos sobrinha para mim? Não. Sou menos tia para ela? Também não.
As crianças, e esta é só a minha opinião e o que tenho oportunidade de presenciar por ter crianças próximas e por ouvir crianças na minha profissão, não dão grande ou pouca importância a laços sanguíneos. Eles existem, é verdade, mas não são eles que regem quem pertence ou não à sua noção de família. Portanto, não percebo muito bem o que se está aqui a tentar referendar? É a definição de "ambiente familiar normal", como a nossa constituição refere? Já alguém perguntou às crianças o que é isso? O que é que é mais importante: a segurança de crescer e ser educada com as pessoas que mais ama ou estar dentro de uma curva de distribuição normal?
Será que neste referendo vamos ouvir falar dos direitos das crianças? E do que é realmente importante no seu desenvolvimento enquanto pessoa? É que este é um assunto que me preocupa... Será que as nossas crianças vão crescer bem com aquilo que estamos a fazer? É por isso que procuro me fundamentar, procurar informação e investigação que me ajude a decidir sobre este tema, porque para mim é sobre isto que este referendo se debruça: sobre o direito de certas crianças pertencerem a certas famílias e o que isso vai influenciar o seu desenvolvimento. Deixo os meus pressupostos de lado, sobre os meus valores, as minhas crenças, os meus preconceitos (que também os tenho) e vou procurar informação. E já que não conheço essas crianças, cujos direitos queremos referendar, vou ouvi-las de uma outra forma, na investigação que foi feita com elas.
E o que é que a investigação nos diz? As evidências científicas sugerem que decisões importantes sobre a vida das crianças e adolescentes sejam tomadas não com base na orientação sexual dos pais mas na qualidade das suas relações com os pais.
Desta forma, espero que se lance o debate e que seja sério. Perguntar às pessoas a sua opinião não pode ser pernicioso mas temos de saber muito bem o que é que estamos a discutir para não sermos invadidos por falsas questões. E aqui o que estamos a referendar, na minha opinião, com as duas questões colocadas, é o direito à família e os direitos das crianças em primeiro lugar.
E fico tão feliz quando os meus pressuposto têm uma base científica!
Estas famílias existem - este referendo (e esta discussão) só vem desprotegê-las. Tenho vergonha de ser governada por gente desta!
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