domingo, 4 de agosto de 2013

O dia da minha mãe

Todos os anos desde que a minha mãe partiu, ia com o meu pai emprestado ao cemitério.
Comprávamos as flores mais bonitas, regateávamos o preço e riamo-nos com isso. Descíamos lentamente até ao sítio onde estava a campa. Pousávamos as flores e eu deixava-lhe uma carta. Chorávamos. Limpávamos as lágrimas e iamos almoçar a sítios lindos para festejar o aniversário dela. Com toda a certeza que ela gostaria disso.
Da primeira vez, custou-me imenso. Não conseguia controlar a tristeza e o vazio que estava a sentir. Depois, sem saber bem porquê, percebi que me sabia bem. Sentia-me mais leve, mais aliviada. Com um grande vazio, mas menos sofrido.
Então, comecei a ir mais vezes. Sozinha. Levava-lhe as flores mais bonitas e uma carta a contar como estava tudo e o quanto gostava dela. Por engano, deixei várias vezes as flores e as cartas na campa do lado. E no dia de anos dela, com o meu pai emprestado, riamo-nos quando eu lhe dizia "ai é aqui? acho sempre que é a do lado".

Mãe:

Estamos todos bem. 
O R. diz que a Laura tem o meu sorriso. Eu reconheço o teu nos lábios dela, naqueles olhos que riem, nas covinhas daquelas bochechas gigantes.
Obrigada pela alfabeto feito em cartolina, por vires a correr quando tinha os pesadelos com as girafas a entrarem pela janela do meu quarto, por estares lá sempre que estava doente, por me dizeres que tudo ia correr bem, pela lasanha com as natas de soja, pelos banhos no alguidar, por me teres oferecido o Bob, por me teres dado a conhecer a Lídia Jorge e o Vergílio Ferreira, pelo Miró e pela Vieira da Silva, por não teres medo de andar de carro comigo, pelas tardes de Inverno no Guincho, por me deixares dormir até tarde, por me deixares plantar contigo os coentros e as roseiras, por só quereres que fosse eu a pôr-te o lenço na cabeça e obrigada pela última promessa que me obrigaste a cumprir.
Desculpa por não te ter deixado partir mais cedo e desculpa, mais uma vez, por te ter forçado a comer a gelatina.
Adoro-te.
Muitos parabéns.
Volta depressa.


8 comentários:

  1. Que lindo. Tenho a certeza que ela adora as cartas. Deixaste me emocionada...
    Beijinhos

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    1. Obrigada pelas palavras de conforto. Espero que ela goste, sim :) Beijinhos

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  2. Isto é tão bonito, tão tocante que me fizeste chorar. Tenho a certeza que tem muito orgulho na filha e na neta, esteja onde estiver. A carta é muito bonita. Obrigada por partilhares. Beijo enorme.

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  3. As tuas palavras deixaram-me sem palavras e com os olhos molhados. Tenho a certeza de que a tua mãe sentiu o amor que puseste em cada uma delas. Um abraço apertado, querida Vera

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    1. Abraço recebido com toda a força, Helena. Preciso tanto de mimos nestes dias mais difíceis e repletos de memórias.

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