ainda teria as duas mamas. Provavelmente nunca teria sequer feito exames para detectar as alterações genéticas que fazem com que tenha mais de 80% de ter cancro da mama.
Provavelmente passaria 6 meses com sintomas e dores e má disposição, para lhe diagnosticarem uma depressão. Ela insistia que não existia qualquer tipo de depressão, a família perderia a paciência e gastaria balúrdios num hospital privado para que lhe fizessem um diagnóstico correcto.
Aí, iria ser encaminhada para o público para começar os tratamentos. Deixariam-na horas à espera em salas frias, cheias de gente, para um oncologista nem sequer a olhar nos olhos. Deixariam-na esquecida, a apanhar correntes de ar, numa sala com um qualquer programa da tarde a dar na televisão, à espera da radioterapia, até os familiares darem com ela e reclamarem.
Provavelmente levaria adesivo de casa para prender as agulhas e os fios, porque no hospital não havia.
Provavelmente, ligaria a quem mais ama, a pedir socorro, a chorar, porque está doente, cansada, não se consegue levantar da cama e nenhuma enfermeira foi capaz de lhe mudar os lençóis durante a noite.
Quase de certeza que, no dia seguinte, a família a tira do hospital e a leva para casa, contra as ordens médicas.
Foi das últimas vezes que vi a minha mãe rir às gargalhadas. Em casa. Connosco. Protegida.
Provavelmente, os familiares teriam que deixar de trabalhar e estudar para ter a certeza de que estava bem acompanhada. Para estarem atentos de cada vez que lhe trocavam os exames ou não lhe tiravam as dores.
Foi de uma coragem transcendente o que a Angelina fez. Aliás, esta mulher é extraordinária. Usa o mediatismo que tem para praticar o bem. Isso é inegável.
E como mãe, acho lindo ela ter tomado esta decisão a pensar nos filhos. Derreteu-me o coração.
A minha mãe morreu com a idade que a mãe da Angelina Jolie morreu.
A minha mãe nunca conheceu a neta.
O SNS fez questão de lhe roubar o tempo que poderia ter para lutar contra esta doença.
A mim roubou-me a mãe.