quinta-feira, 5 de julho de 2012

SAUDADES E INVIDIAE

Poder lutar.
Dar um murro bem dado. Provocar sem piedade e saber que não se vai para casa com um olhar superior no saco, com um sorriso de desdém de quem soube ser «melhor». Ser provocado e não ter de ter um olhar e um sorriso especial para a situação; não estar quase a chegar a casa e lembrar-me, finalmente, do que teria sido perfeito dizer porque há situações para as quais as nossas capacidades linguísticas e cognitivas não são chamadas; não ter de dar uma desculpa - perfeita como esta que seja;


é fechar o punho, sentir a cabeça ficar quente, a ferver, a consciência da irresponsabilidade do acto acompanhado de uma tranquilidade imensa descida sobre nós, das alturas, como um cobertor de papa a cobrir-nos de superioridade física e moral - ilusões doces como gomas de melancia. Não fomos nós, foi o sangue, foi outro, foi o vento, olha ali um elefante, viste aquilo?

Não é um tabefe, um puxão de cabelos, um pontapé nas canelas, um empurrão. É um murro. Dá-lo e ficar à espera do troco. As sinapses todas a gritar BRING IT ON, BITCH! na arena do meu córtex pré-frontal. Até que alguém nos separe. (Por favor, alguém nos separe!)

No entanto, por razões técnico-biológicas, não sei o que é dar um murro valente e ficar de pé nos 5 segundos seguintes para contar como foi. Nunca ninguém do meu tamanho se meteu comigo e nunca me meti com ninguém do meu tamanho. Sempre gostei de pensar em grande, muito grande. Dimensões mastodônticas, de preferência.

Não é violência - isso é coisa de cobardes.
E o Camilo que trago no ventrículo esquerdo diz-me que nunca este punho se ergueu que não fosse em defesa de um honra qualquer - a minha, a da amiga, a da mãe, a do direito e ter o peso e a cara que me calharam em sorte.

Descubro-me, às vezes, nas saudades das coisas mais estranhas.

3 comentários:

  1. Quando eras pequenina não brincavas nas ruas do teu bairro???

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  2. por acaso estou. mas subscrevo as tuas saudades :) e as saudades de ti :)o teu post melhorou o meu dia!

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  3. Tenho saudades de andar à pancada, porque já andei algumas vezes. Saudosa pré-adolescência. Era um drama os momentos após o tempo que durava eu ser saco de pancada de miúdas que conseguiam ser maiores que eu (na minha pré-adolescência, isso era um feito só por si), mas aqueles breves minutos que antecediam a primeira chapadona de mão-cheia eram de uma adrenalina louca. Só de me lembrar fico com formigueiro...
    "Será que vou ao chão nos primeiros 2 minutos ou ainda duro para levar a terceira?", "Ataco já ou deixo-a gozar com o meu buço mais um bocadinho para atingir o nível de raiva ideal que me permitirá não sentir tanto o impacto daquela mão que ali vem, delicadamente besuntada com a manteiga do pão com manteiga que eu ia comprar e comer se ela não me tivesse roubado os 20 escudos que tinha para almoçar?" Tudo questões inquietantes e prementes que assolaram os meus primeiros anos de convivência social... Percebe-se assim esta fé na humanidade que me caracteriza, este calor humano que emano ao primeiro contacto com qualquer espécime da raça a que pertenço.
    Freud não explica isto, mas eu explico, acreditem.

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