terça-feira, 8 de janeiro de 2013

I promise!


Tinha uns 13 ou 14 anos e queria muito ter um cão. Mesmo, mesmo muito. Chateei a minha mãe até ao desespero. Consegui convencê-los, com a condição de ser um cão de um canil, porque estava fora de questão pagar para ter um animal, com tantos a precisar de um lar. Ligámos para uns quantos canis, não tinham cachorros para dar e eu queria um cachorro. Um dia tivémos que ir a um centro de cópias, num centro comercial que eu nem sabia que existia. Num corredor escuro existia uma loja de animais. Um cachorro peludinho numa jaula. Awwww vamos só dar-lhe um miminho. Saltou para cima de nós. E nunca mais voltou para a jaula.
Bob Marley era o seu nome. Peludo, fofinho, beijoqueiro, mariquinhas, com um feitio de meter medo ao susto. Tinha que ser penteado todos os dias para não ter nós. Se sem querer lhe puxávamos o pêlo, era mordidela na certa. Se o pisávamos sem querer, pumba, dentada no pé.
Éramos inseparáveis. Toda a gente o conhecia. Entrava em todo o lado: nos cafés, supermercados, farmácias e às vezes ia comigo para a escola. Se não lhe puxassem o pêlo era a doçura em forma de cão.
E se os senhores das portagens não estendessem a mão para o carro - disso ele também não gostava e ladrava e rosnava e pregava altos cagaços aos senhores da brisa. Uma vez atacou o carteiro. Uma vez, não! Duas. Primeiro fez-lhe xixi no saco. Fiquei para morrer. Pedi imensas desculpas e fui buscar um pano para limpar. Foi uma trapalhada que nem queiram saber! Da segunda vez, atirou-se-lhe ao saco das cartas e arrancou-lhe uma alça. Desde esse dia o carteiro tocava à campainha e fechava-se no elevador à espera que fossemos assinar os registos...
Quando eu saía à noite e ele ficava sozinho, espalhava o lixo pela casa toda e ainda tinha o requinte de deixar o filtro do café (e o café) bem espalhado à porta do meu (nosso) quarto.
Amuava e virava-me o focinho quando o levava às vacinas. Escondia-se debaixo da cama quando alguém ousava dizer "banho" e ria-se para as fotografias. Na praia não brincava na areia molhada. Não gostava de água, mas era muito asseado. Se via um cócó na rua, desviava-se. Também era muito vaidoso. Tinha orgulho em ser o cão que era. Levantava a pata de tal maneira airosa para fazer xixi que, na maior parte das vezes, caía e batia com o queixo no chão. Se dava um pum, escondia-se atrás dos cortinados, envergonhado. Se o prato da água tivesse um grãozinho de pó a flutuar, sentava-se amuado à espera que alguém a mudasse. Num verão quentíssimo, cortámos-lhe o pêlo. Ia apanhando uma pneumonia e nós apanhámos, para além de um grande susto, um grande raspanete do veterinário, porque cães daqueles não se tosquiam. Precisam do pêlo para se protegerem. Detestava a maior parte dos cães com que se cruzava, mas adorava gatos. Uma vez raspou o "material" todo num muro, porque queria brincar com o gatinho que estava a passar. Durante mais de uma semana tivémos que lhe besuntar os tintins com um creme cor de rosa. E ele adorava. Ria-se quando eu me ria e lambia-me as lágrimas quando eu chorava. Dançava comigo.
Quando a minha mãe foi internada, enviava-lhe fotografias nossas e isso fazia-a rir. Uns dias antes de morrer, estava eu sentada à janela no quarto do hospital e ela chamou-me. Fez -me prometer duas coisas. Uma delas era tratar dos nossos cães para todo o sempre.
No dia em que a minha mãe morreu, adormeci com ele aninhado no meu pescoço. Quando acordei, ele continuava lá. Ao meu lado. Mudámos de casa. Todos. Aos fins de semana íamos passear ao Guincho e à Serra de Sintra. Como sempre o fizémos. O Bob deixou de ser rezingão e passou a ser um dos cães mais afáveis que alguma vez conheci. De cada vez que comprava uma peça de roupa para a Laura ele cheirava-a e abanava o rabo. De repente, ficou doente. Tinha leishmaniose desde os 7 anos e com a medicação estava tudo controlado até ali... Foi num ápice. Deixou de comer, perdeu peso, deixou de brincar. Fui deixá-lo a soro numa manhã e quando voltei à tarde ele já não me reconheceu. Assinei o maldito papel. Não me deixaram agarrar-lhe a pata enquanto ele ia para as estrelinhas. Estava bem grávida e bem transtornada. Comecei com contracções e levei um ralhete do meu médico. Repouso absoluto! Disse-me que "era só um cão".
Não, não era só um cão. Era o Bob. O meu Bob. A minha promessa.


5 comentários:

  1. era o cão de todos nós, nunca houve outro igual.

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    1. O nosso Bob mai lindo que só pedinchava comida à mesa ao teu pai porque sabia que ele não lhe resistia e dava :)

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  2. Que cão especial... quem diz que eles são somente bichos de companhia, não conhece a magia dos animais. Eles amam-nos como poucos humanos o fazem.

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    1. Parecia uma criança mimada! Ensinou-me tanta coisa e tenho tantas saudades dele!

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