segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Feeling blue


Sou a Vera. Mas durante várias horas dos meus dias sou a mãe da Laura. Há coisas de que não abdico como Vera. Como o meu café e a minha botija de água quente. E há coisas de que não abdico como mãe. Adoro levá-la à escola. Adoro ir buscá-la. Adoro dar-lhe banho, besuntá-la com o creme e pentear aquele cabelo com cheiro a framboesa. A história da noite, entre desejos de sonhos cor de arco-íris e a história da manhã, entre espreguiçadelas, bocejos e beijinhos. Acho engraçado que diferencie as pessoas como cor de rosa, castanhas ou de olhos em bico. Tenho um orgulho tremendo que ofereça a moeda do carrinho do supermercado que lhe dou para ela guardar no seu mealheiro, ao menino sem pernas que está à porta. A Laura é a minha prova de que as crianças não são preconceituosas. Os adultos é que as criam preconceituosas. A minha menina pergunta sempre "tens namorado ou namorada"? Vou-lhe tentando dar as bases para ela ir crescendo. E é fantástica esta visão, de uma menina que já não é um bebé, mas que ainda vai pedindo colinho. Uma menina que já sabe escrever o meu nome. Que já sabe fazer contas e acha divertido lavar o chão. Uma menina que se ri dos rabiscos que fazia quando era bebé. Uma menina que adora música e dança. Uma menina que agradece todos os elogios que lhe fazem e utiliza a expressão, com um sorrisinho malandro "É óbvio, não é?", quando lhe perguntam pelo nome do seu amigo, que se chama amigo. E as gargalhadas dela! Bem! São de outro mundo! Movem montanhas! É a menina mais linda dos meus olhos. É a menina que vou criar neste mundo que neste momento me assusta. Ontem pediu - pela milésima vez - um mano. Eu - pela primeira vez calei-me. Porque senti que isso nunca vai acontecer. Pela primeira vez, senti que desisti. Senti que devia enfrentar o que era óbvio. Senti que este mundo não é um mundo para crianças. Não é saudável, não é feliz, não é humano, é desequilibrado.
Sinto um grito preso na garganta! Deve ser uma pedra da calçada, pronta a disparar. Como é que eu tive uma criança com as coisas no estado caótico em que estão? Claro que tive! E é uma criança extraordinária! Mas e se lhe falta alguma coisa? Obviamente que nunca vai faltar. Mas... e se faltar? Nunca me tinha passado pela cabeça que poderia faltar. Era impensável. É minha filha. Nunca lhe vai faltar nada... Mas... e... tantos mas... Mas eu sou mãe! Nunca lhe há-de faltar nada, nem que isso me mate! Mas...
Fui tentar dormir. Dei voltas e mais voltas na cama. Devo ter dormido umas quatro horas, se tanto. Mas por aqui, durma-se muito ou pouco, não há acordar mal disposto. Acorda-se para a vida!
Aqui há gente que se ama. De verdade!
Matam-me a esperança. Mas eu tenho o resto e o resto é inteiro! É TUDO! Só tenho é que fechar a porta.

Se oiço  "macro-económico" ou "material de suporte" mais alguma vez nos próximos tempos, grito!




4 comentários:

  1. O resto de que falas é TUDO, mesmo. E, sem margem nenhuma para dúvidas, o mais importante. Adorei o texto, mais uma vez :) Beijinho

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  2. Obrigada Helena... é TUDO, sim... espero que nunca falte nada a este TUDO nem a TUDOS de ninguém ;) beijinhos

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  3. Tenho orgulho em ti* Dorme descansada que tens, de todos os miudos do mundo, a perfeita! <3

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  4. pois tenho :) não quero é que lhe falte nada!

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