quinta-feira, 1 de março de 2012

Não me digam o que sentir

Não me digam que já passou tempo suficiente. Não me digam que é a vida. Não me falem das coisas boas e da sorte que tenho. Eu sei o que tenho e o que conquistei. Também sei que o tempo não cura. Dói sempre. Vai doer sempre. Quando amamos de verdade, achamos que já não é possível amor maior. Até ao dia seguinte, em que percebemos que afinal amamos mais um bocadinho. Com mais força. Quando me tiraram isso, com violência, com crueldade, é o sofrimento que é maior a cada segundo, a cada hora, dia, semana, mês, anos. O tempo não tira a memória, não tira a imensidão, não tira absolutamente nada.
Perdi um bocado de mim. Perdi a certeza. Perdi as festas na cabeça e o consolo. O gelo na barriga e a botija quente nos pés. Perdi quem me orientava e me punha no caminho certo, sempre que eu errava. E nunca me dizia que eu errava. Dizia-me que tinha aprendido sozinha, que  isso era viver. E que estávamos sempre a tempo de remediar. E agora o tempo é eterno e faz-me falta de ar. Não acaba. Não parece verdade porque eu (nós) não merecíamos. E muito menos tu.
Escrevia  a R. no outro tinha que tinha medo de se esquecer da voz... eu até me posso esquecer, mas tenho a certeza que a reconhecia no meu de milhares e milhares de vozes e barulho.
São saudades. E sei que me matam a cada noite que passa. Torturam-me, fazem-me chorar. Fazem-me querer adormecer e acordar quando já tiver esquecido tudo.
Será justo ter que me refazer do maior erro da minha vida, quando te deixei partir? Dizer-te ao ouvido que podias ir, que estava na hora, que tínhamos perdido esta luta...
E agora o mundo não te cheira, não te ouve, não te vê... tens ideia do que me fizeste fazer?
Ainda tive forças para proibir cruzes no caixão, mesmo ameaçando partir tudo. Tu farias o mesmo por mim. Também proibi coroas de flores. Nós gostamos de flores, não gostamos da morte. Esqueci-me do que acontecia a seguir. Não pensei, mãe. E tu também não me avisaste. E agora estou presa a este pesadelo. Tenho vómitos. Dói-me a cabeça e o peito. Ter que passar por tudo outra vez. Já não tenho mais força, mãe. A sério que não. Preferia continuar a deixar margaridas, cravos e rosas na campa do lado, pensando que era a tua (achaste graça, não foi?). Preferia deixar tudo como está, e esperar que voltasses. Preferia não saber o que sei.
Fico a ver o céu com a Laura à tua procura. Mas não a quero próxima da morte. Não a quero viver de memórias que não existem na vida dela. Em fotos que ela não conhece. Há tempo para isso, mais tarde. Correcto ou não, foi o que lhe disse quando me perguntou porque é que eu não tinha mãe. Eu tenho, é uma estrelinha no céu. E a Laura procura a mais brilhante e grita "Está ali, mãe. A tua mãe!". E sorri. Porque te encontrou e iluminas o céu. Não te encontro, mas ela herdou o nosso brilhozinho nos olhos. Para ela também não choro, a não ser de alegria. Aprendi contigo a ser feliz. Uma tristeza assim, não invalida a alegria de viver. Torna-a antes um desafio.
"Oh mamã, como é que as pessoas chegam até às estrelas e se transformam nelas?"
"Não sei, princesa. Só elas sabem."
"Eu não quero ser uma estrelinha sem ti, não quero ficar sozinha", diz-me ela de lágrimas nos olhos, meio assustada. Tiro-lhe o cabelo dos olhos, agarro-lhe na cara, sorrio e digo-lhe:
"Não te preocupes, pequenina. Sozinha nunca estarás."
"Prometes com todo o coração, mamã?"
"Prometo, Laura. Com todo o meu coração."
Não me digam nada, por favor. Deixem-me estar. Em silêncio. Só estar. E estar mais um bocadinho. A cumprir as promessas que fiz.


 



4 comentários:

  1. também queres que te empurre no baloiço? :)

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  2. eu quero!
    como só tu sabes fazer e transformar uma dor numa cor.
    é isso! descobri tu trocas as letras aos nossos sentimentos e eles ficam muito mais bonitos!

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