quinta-feira, 31 de março de 2011

O AR DO TEMPO, AS MODAS, OS DEFEITOS DE PROFISSÃO. E EU COM ISSO?

Uma carta aberta às lolitas, minhas vidas pequeninas também, e a quem lê  - ainda somos alguns, e com uma capacidade de indignação que alto lá com ela.


(e a eurídice volta a escrever na 3ª pessoa, de quando em vez, aqui e ali, porque queria ter sido jogadora de futebol - avançado esquerdo, para ser mais exacta)

A eurídice trabalha (até ver, que com esta atitudezinha não há-de ganhar grande fama) num sítio onde se fazem livros. Que se pode dizer acerca disso? Bem, que é porreiríssimo, para começar. Não sei fazer grande coisa. Sou da Maria Pia, estava muito limitada à partida. Já foi uma sorte não me ter metido na diabetes.

A eurídice trabalha num sítio onde se fazem livros em Portugal, para portugueses ou falantes da língua coiso, com dinheiro proveniente do sítio dito, afins, enfns. E costumo enumerar todas estas circunstâncias como  obstáculos, pois claro, porque sou má-língua e ingrata e tudo isso que estão a pensar.

Às vezes, lá vai a eurídice ao estrangeiro, travaille oblige, fazer o que se faz e sempre fez por cá: importar, importar, importar. Importar é bom, atenção. Nada contra. O proteccionismo cultural só faz bem à cultura da batata e eu até gosto bem de batatas mas isso parece que não vem ao caso.

O que eu queria verdadeiramente, do fundo do meu ser, era que alguém me explicasse a frase: "what type of books are you looking for? Misery memoir? Sexy goblin-vampire dystopian sci-fi fantasy? Or ghosts meet zombies and mermaids in the after-world?"

Do que é que eu estou à procura?
Eu achava que estava à procura de livros infantis e juvenis adequados interessantes, inteligentes, que preencham os ensejos de reconhecimento do eu, de formação individual num mundo plural, de valorização da multiplicidade e reconhecimento da unicidade, que ajudem os chefes de governo, professores e cientistas de amanhã a formar uma consciência cívica e um espírito crítico, a desenvolver a auto-análise e o respeito pelo outro e pelo próprio, a criar uma estética própria e participante da comunidade, a expressar a individualidade e a ansiar pela do outro, a perceber o mundo e a querer mudança.

Eu estou à procura de literatura, animal!


Não estou, de todo, à procura de uma maneira fácil de fazer catálogo, de impingir desalmadamente ao patronato nacos de prosa e enredos de fazer corar de desaforo as bochechas de qualquer pessoa com o ensino obrigatório de 1954, de encher estantes de livrarias com cocós importados (temos cocós nacionais, perfeitamente bons, a cada escaparate. Para quê importar o cocó dos outros?), de alienar e estupidificar toda uma geração - ou várias, agora com esta coisa do jovem-adulto a saltar dos créditos à habitação para a sectarização editorial?

Por isso, minha senhora agente "literária", da próxima vez que me disser "This a book by an old author of ours. His previous books were very literary, but this new series is much, much better. Highly commercial, simple plot, action driven, perfect for a middle-grade list", tire esse sorriso labrego da cara, arrume o entusiasmo untuoso na gaveta e esconda-se num cantinho do armazém da editora ou agência que a emprega, com vergonha de sair à rua enquanto no mundo houver gente que ainda ache que livros para crianças e literatura são indissociáveis e uma e a mesma coisa.

Do que é que eu estou à procura?




Voilá.

1 comentário:

  1. Já te disse, querida lolita, da próxima vez leva-me contigo.
    Estás à procura de alguma inteligência, de alguma sensibilidade e pelos vistos ainda não foi aí que encontraste.
    Já me dizia a minha mãe que um tabefe nas trombinhas é quanto baste para resolver esse tipo de encontros imediatos.

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